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Em viagem sozinhas: uma entrevista com Sofia Martins

A fadiga não assusta, mas satisfaz. As tuas férias para além de prazerosas por conheceres locais, costumes e culturas, são também uma sucessão de provas de superação. Não há viagem em que não estejas pronta para vencer e mostrar ao mundo que é possível. Deixa-te inspirar mais com a nossa especialista em turismo acessível Sofia Martins.

1. O que viajar representa para ti?

Além do prazer de conhecer novos lugares, costumes e outras culturas para mim viajar é um constante desafio. O facto de ter mobilidade reduzida, e de me deslocar numa cadeira de rodas, faz com que sempre que saio da minha zona de conforto, ou seja, da minha casa e da minha rotina do dia a dia, me traga o medo do inesperado e a insegurança de não conseguir ultrapassar situações mais complicadas. Vivemos, ainda, num mundo que não está preparado para todos, pelo que existem muitas barreiras para quem tem algum tipo de limitação física.

Viajar representa o superar-me a mim mesma e o confrontar os outros relativamente à deficiência e às acessibilidades. Gosto de pensar que, assim, contribuo um pouco para a criação de um mundo mais acessível a todos.

2. Quando e qual foi o destino para onde viajaste sozinha pela primeira vez?

Foi já há 18 anos que me foi proposto, na empresa onde trabalhava, ir apresentar um projecto a Bruxelas. Iria com o meu patrão mas regressaria sozinha. Na altura, fiquei aterrorizada e pensei logo em dizer que não, mas, como gosto sempre de me superar, aceitei. Não ia propriamente sozinha mas para mim era como se fosse, pois não iria ter o à vontade necessário para lhe pedir auxílio no caso de o hotel não estar bem adaptado e, ainda, teria de voltar de avião sozinha. O hotel não estava perfeito mas desenrasquei-me, e com o avião também correu tudo bem já que, aqui, vá acompanhada ou não são, sempre, os funcionários do aeroporto que me ajudam. Como fui bem sucedida, fiquei muito orgulhosa de o ter feito. Foi aqui que percebi que seria possível fazê-lo, sozinha, se precisasse.

Não fiz, ainda, uma grande viagem sozinha e, quando o faço, normalmente, vou ao encontro de alguém no destino. É um facto que, de carro, podia dar a volta ao mundo. Sinto-me como se levasse a minha casa comigo pois, com ele, posso fugir de todas as situações mais complicadas! De avião, só vou mesmo porque tem de ser e prefiro ir acompanhada. De comboio, sozinha, apenas fui de Lisboa ao Porto e, na altura, adorei a viagem precisamente por ter ido sozinha!

3. Como viajar sozinha te enriquece e por quê o fazes/fizeste?

Viajar sozinha para mim é, acima de tudo, uma grande prova de superação. Além do receio de ter alguma barreira física que não consiga ultrapassar, deparo-me, também, com o mau hábito de não gostar muito de fazer nada sozinha. A superação destas inseguranças reflecte-se no meu dia a dia, trazendo-me confiança para avançar e esperar sempre mais de mim. Quer seja a viajar, quer seja noutra situação é muito importante podermos contar só connosco. Sentirmo-nos independentes e decidirmos o nosso rumo, traz-nos uma clareza e uma liberdade indispensáveis para nos conhecermos a nós próprios. Sempre que viajo sozinha sinto que me basto a mim própria e que posso confiar na minha capacidade de me desenrascar e não depender de ninguém. É muito libertador e deixa-me, seguramente, mais forte por sentir que ultrapassei mais barreiras, quer interiores quer exteriores.

4. Na tua opinião, quais são os maiores desafios de viajar sozinha e como lidas com eles?

Quando viajamos sozinhos temos que lidar com as nossas inseguranças, por exemplo, o medo de que nos aconteça qualquer coisa e não termos ninguém connosco que nos socorra ou o grande desafio de não termos com quem conversar e partilhar o que estamos a viver, e, finalmente, no meu caso, ter de lidar com as barreiras arquitectónicas que existem por todo o lado.

Ora, andar por qualquer lugar na Europa, ou cidade desenvolvida, é o mesmo que andar na nossa cidade, visto que não é mais nem menos perigoso se tivermos os cuidados que temos habitualmente.

O facto de andarmos sozinhos deixa-nos disponíveis para nos relacionarmos com outras pessoas e é aqui que nos surpreendemos pois, quando damos por nós, estamos a meter conversa com o vizinho da mesa ao lado!

Quanto ao enorme desafio de lidar com barreiras arquitectónicas esse já o tenho todos os dias, a diferença é já conhece-las e contorná-las, inconscientemente, como se não estivessem lá!

5. Quais são os teus conselhos para organizar uma viagem a solo?

Dependendo se somos mais ou menos aventureiros, temos de levar a viagem mais ou menos programada. Isto aplica-se a todas as pessoas. E, eu, confesso, sou uma aventureira muito precavida!

Claro que o facto de se ter mobilidade reduzida faz com que seja melhor e mais seguro levar a viagem organizada. Ter alojamento marcado e com garantia de ter quarto adaptado é, para mim, fundamental. Nem todos os hotéis têm quartos adaptados e nem todas as adaptações são as ideais para as nossas limitações, pelo que o melhor é confirmar tudo com o hotel antes de partir.

Se estamos a pensar deslocarmo-nos de avião, comboio ou barco, ao comprar o bilhete, não nos podemos esquecer de avisar que nos deslocamos em cadeira de rodas, pois vamos precisar de ajuda.

Se queremos ir a locais específicos, há que estudar se o percurso até lá é acessível e verificar se existem degraus ou escadas ou se há elevador ou alguma plataforma especifica para entrar. Ou, então, vamos e logo se vê! Existe sempre alguém que se prontifica a ajudar-nos e que nos “carrega” até onde queremos.

Outro ponto fundamental é tentar reduzir ao máximo a bagagem. Quanto menos levarmos mais fácil se torna porque temos de conseguir deslocarmo-nos com toda a bagagem, sem ajuda.

6. Qual é o destino perfeito para uma viagem a solo e porquê?

Para mim, desde que esteja muito calor já está perfeito, claro!!

Qualquer destino é perfeito desde que nos ofereça aquilo de que mais gostamos, quer seja cultura, história, praia ou outro. É o que nos apetece no momento e depende do nosso estado de espírito. Já viajei com problemas de saúde e, nesse caso, não me aventurei para destinos pouco desenvolvidos.

Talvez existam destinos mais perigosos em que será melhor não irmos sozinhos, o que se aplica tanto a homens como a mulheres. Se nos sentimos vulneráveis, talvez seja melhor procurar destinos mais seguros, como cidades grandes em que estamos sempre rodeadas de pessoas.

Procure um destino onde vai encontrar coisas que gosta de fazer e de ver e, assim, vai ter com que se ocupar para o caso de achar que vai sentir-se sozinha.

Claro que um destino perfeito para uma pessoa que se desloque em cadeira de rodas, terá de ser um destino acessível como, por exemplo, Berlim ou Barcelona, duas das cidades mais acessíveis onde já estive e onde me aventurava a ir sozinha.

7. Diz-nos algo que aconteceu numa das tuas viagens que impactou a maneira como viajas.

Quando ainda jogava ténis, fui várias vezes a Ponta Delgada participar em torneios e, numa delas, decidi ir sozinha. Tive de levar, além da minha cadeira, a cadeira de desporto, a raqueta e a mala. Esta viagem representou muito para mim, deu-me uma sensação de triunfo e de independência fantástica que se veio a reflectir noutras viagens. Desde que, na Holanda, a minha mala não chegou ao destino, que passei a levar os bens essenciais, e sem os quais não posso passar, numa mala de cabine. Ter tido um furo numa roda, também fez com que passasse a levar alguns acessórios que poderão ser necessários para o caso de ter alguma avaria na cadeira.

Em todas as viagens, há algo que me alerta para situações que poderão acontecer e para as quais passo a ir precavida. O contrário também acontece porque, quando vou para cidades desenvolvidas, vou muito mais descontraída pois haverá sempre maneira de desenrascar qualquer percalço que possa acontecer. Quanto mais viajo mais vou tendo noção daquilo que preciso, ou não, de levar consoante o destino para onde vou.

8. Como é percebido em Portugal o facto de uma mulher viajar sozinha?

Talvez seja como uma mulher corajosa ou aventureira, no entanto, acho que este paradigma está a mudar, uma vez que começa a ser usual uma pessoa, seja mulher ou homem, viajar sozinha. Até há bem pouco tempo não se falava muito de viajantes a solo e, hoje, todos nós conhecemos alguém que já o fez e o feedback é quase sempre positivo.

9. Quais são tuas dicas para outras viajantes com mobilidade reduzida?

Se tem a vontade de viajar sozinha mas tem algum receio, sugiro que o faça para um local próximo, talvez começar por uma cidade portuguesa. Se algo correr mal, estará a poucas horas de casa ou de alguém amigo a ir socorrer, o que, de certeza, não vai ser preciso. Leve o alojamento marcado e confirmado relativamente às suas necessidades. Este, para mim, é o passo principal ao programar uma viagem. Vá como turista e desfrute ao máximo.

Começam a surgir muitas empresas de turismo adaptado com oferta de programas para pessoas com mobilidade reduzida. Basta pesquisar e encontram-se várias opções que podem ser uma alternativa para quem viaja sozinho.

Existem, também, alguns grupos e blogs de pessoas nas mesmas condições, inspirem-se neles, façam perguntas e tirem todas as dúvidas.

E não ter receio de pedir ajuda pois as outras pessoas estão sempre disponíveis para ajudar…

10. Para que tipo(s)/estilo(s) de mulheres a viagem a solo é perfeita?

Para qualquer uma, desde que tenha o gosto de viajar e de descobrir outros locais e outras culturas.

Se é aventureira e extrovertida vai estar como peixe na água. Se não é, talvez lhe faça falta um desafio destes, porque terá, com certeza, muito a ganhar.

Apesar de já ter feito alguns percursos sozinha, e de ter gostado e tirado muitas coisas positivas dessas experiências, ainda não fiz nenhuma grande viagem sozinha, no entanto, hoje sei que, quando for oportuno ou inevitável, o poderei fazer sem qualquer problema e isso tranquiliza-me.

11. Numa frase, o que dirias para inspirar outra mulher a viajar sozinha?

Se já está a pensar nisso é porque está pronta para ir. Se gosta de viajar acompanhada é muito provável que também venha a gostar de o fazer sozinha.

Cuidado, talvez lhe tome o gosto e nunca mais pare!!

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